A televisão em Cuiabá (1969): o Legislativo cuiabano privilegia um dos símbolos de progresso de Cuiabá

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Na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), realizada pelo IBGE no final de 2023 e divulgada em agosto de 2024, verificou-se que tem diminuído o número de domicílios com aparelho de televisão no Brasil. O motivo, afirmam os pesquisadores, seria a opção das pessoas por outros dispositivos para o acesso à informação e ao entretenimento. Mesmo com essa redução, 94,3% dos lares brasileiros possuem pelo menos um aparelho de televisão, número que entendemos ser bastante significativo. Podemos, então, crer que a TV continua sendo um dos protagonistas no cotidiano das famílias brasileiras.
A respeito da realidade da TV na cidade de Cuiabá, não encontramos dados próprios, mas acreditamos que não deve diferir do panorama nacional. Nosso propósito neste artigo, como uma coluna de memória da Câmara Municipal de Cuiabá, é apresentar a chegada da TV em Cuiabá e a participação dos vereadores nesse processo.
Uma das pesquisas mais completas acerca da chegada da TV em Cuiabá foi feita por Adriana Azevedo Paes de Barros. Conta-nos a pesquisadora que tudo aconteceu em um cenário de transformação regional. Recursos públicos federais foram direcionados para a ocupação da região amazônica e central do Brasil, em um grande projeto de integração nacional, e Cuiabá aproveitou-se desse movimento.
Uma onda migratória fez a cidade saltar de 27.306 habitantes em 1950 para 45.875 em 1960, e, com esses migrantes, veio o discurso da modernidade como uma forma de melhoria da vida da população local. Um exemplo do movimento de dar fim ao velho e construir o novo foi a demolição da catedral metropolitana em 1968 e a construção de um novo prédio com arquitetura moderna, diferente do modelo das antigas igrejas coloniais.
O capital privado aproveitou o momento de expansão para investir e lucrar, e a TV foi um dos mecanismos utilizados para auxiliar as empresas na venda de seus produtos por meio da propaganda. O grupo econômico dos denominados Irmãos Zahran surgiu como pioneiro na implantação da televisão em Mato Grosso.
Diz Adriana de Barros que Ueze Zahran foi ao Rio de Janeiro em dezembro de 1963 para contratar a jornalista Antonieta Ries Coelho (foto), que tinha vasto conhecimento sobre telecomunicações, para que ela providenciasse a instalação de uma TV na cidade de Campo Grande. Antonieta, entretanto, sugeriu que Corumbá e Cuiabá também fossem contempladas, o que foi bem recebido pelos Irmãos Zahran.
Para a instalação de uma emissora de televisão naquela época, o Conselho Nacional de Telecomunicações (Contel) exigia uma expressiva população local e a venda e funcionamento de pelo menos 1.500 aparelhos. Logo em dezembro de 1965, a TV Morena foi implantada em Campo Grande. Coube à senhora Antonieta uma nova tarefa, que seria a instalação da TV Centro América na capital do estado.
Foi com a finalidade de explanar sobre a implantação de uma emissora em Cuiabá que a senhora Antonieta compareceu a uma sessão especial realizada pela Câmara Municipal de Cuiabá em 23 de maio de 1966.
O requerente da sessão especial foi o vereador Benedito Pedro Dorilêo. Reunidos aos vereadores estavam representantes do comércio e associações de classe, o prefeito Vicente Vuolo e o vice-governador José Garcia Neto. Como requerente da sessão, o vereador Dorilêo deu as boas-vindas aos presentes e, em sua fala, evocou exatamente a onda de progresso que chegava a Cuiabá.
Afirmou que, embora o cuiabano fosse desconfiado, ele estava de peito aberto para o futuro, e a televisão era, naquele momento, um símbolo de progresso. Colocou a Câmara e os seus vereadores à disposição dos empreendedores para o progresso de Cuiabá.
Dando continuidade à sessão, a palavra foi concedida à senhora Antonieta. Inicialmente, ela agradeceu o convite dos vereadores e disse que estava disposta a esclarecer sobre aquele projeto dos Irmãos Zahran para Cuiabá. Disse que enfrentaram dificuldades para a instalação da TV Morena em Campo Grande por conta da não aquisição de aparelhos de televisão pelos moradores, mas que, mesmo assim, os Irmãos Zahran não desistiram do projeto.
A desconfiança deu lugar ao entusiasmo no momento em que os campo-grandenses viram as primeiras imagens nos televisores. Acreditava que a experiência na TV Morena daria agilidade à instalação em Cuiabá.
Para tanto, necessitavam de um terreno em um local alto da cidade e de uma campanha do comércio e dos agentes públicos para a venda de aparelhos, disponíveis para pagamento em vinte parcelas, que deveriam ser pagas antes mesmo da entrega. Com isso, esperava que a TV fosse inaugurada na capital em um prazo de 15 a 18 meses.
Justificou o fato de Cuiabá não ter sido a pioneira em Mato Grosso por conta de questões climáticas e de disponibilidade de energia elétrica estável e de carga suficiente.
A seguir, foi aberta a palavra aos presentes. A senhora Antonieta respondeu inicialmente aos questionamentos do prefeito Vicente Vuolo e da vereadora Ana Maria do Couto. Indagaram sobre o terreno que a empresa necessitava para a instalação da sua sede com a antena de transmissão.
Na resposta, ela descreveu o terreno ideal e disse que um local próximo ao Hospital Santa Helena era apropriado e que já tinha sido autorizado pelo Contel. Disse que fez um requerimento de doação ao município e aguardava o retorno.
Demais autoridades presentes quiseram detalhes sobre a venda de aparelhos, a experiência em Campo Grande, a contratação de pessoal, os prazos, a qualidade do sinal e sua abrangência, a programação, o capital que seria investido pela empresa e o que esperavam lucrar, o que fora prontamente respondido pela senhora Antonieta.
Percebe-se que o objetivo da convidada na sessão foi o de pedir o apoio das autoridades (prefeito e vereadores) para a doação de um terreno e dos representantes do comércio e associações para a venda de pelo menos 1.500 aparelhos.
A pesquisadora Adriana Barros afirma que seguiram-se, a partir das visitas da senhora Antonieta e sua posterior mudança para a capital, uma campanha da população local para que os demais adquirissem os televisores. Havia, de acordo com ela, o desejo dos entusiastas em ter em breve a televisão em Cuiabá.
O jornal O Estado de Mato Grosso, inclusive, fazia campanha em prol da aquisição de aparelhos:
“TV Centro América – Canal 4. Televisão, incomparável veículo de instrução, cultura e informação, será em breve uma grande realidade em Cuiabá. Torne mais breve essa realidade fazendo AGORA seu compromisso para aquisição de um televisor com qualquer dos corretores autorizados da TV Centro América.”
Cuiabá vivia, assim, a onda ideológica do progresso, e a televisão fazia parte desse movimento ideológico.
?Por outro lado, o poeta Moisés Martins, que inclusive adquiriu um televisor na época, diz que a instalação da TV em Cuiabá transformou o cotidiano dos cuiabanos, que deixaram de lado os passeios nas praças e a ida ao cinema e ao teatro para acompanharem, em seus lares ou nos dos vizinhos, a cultura nacional e internacional, quase que hipnotizados diante da TV em preto e branco.
Entretanto, a TV Centro América dedicou, desde o início, espaços para a produção de uma programação local, que valorizava, portanto, a nossa cultura.
A TV Centro América foi inaugurada oficialmente e definitivamente em 13 de fevereiro de 1969, após um período de testes iniciados em novembro de 1967.
A inauguração deveu-se principalmente ao árduo trabalho da senhora Antonieta Ries Coelho, à persistência dos Irmãos Zahran e ao engajamento da população cuiabana, que, em virtude da expressiva venda de aparelhos, possibilitou ao grupo Zahran a construção da sede da emissora, da sua torre e a aquisição dos aparelhos técnicos de produção de conteúdo e transmissão.
A TV Centro América foi, assim, a 38ª emissora brasileira, a 2ª em Mato Grosso, filiando-se à Globo em 1975.
Em reconhecimento à senhora Antonieta e aos Irmãos Zahran, a Câmara Municipal de Cuiabá concedeu à senhora Antonieta e a Ueze Zahran o título de Cidadania Cuiabana em uma sessão especial realizada em 15 de fevereiro de 1969.
Autor: Danilo Monlevade
Secretaria de Apoio à Cultura
Fontes de Pesquisa:
BARROS, Adriana Azevedo Paes de. Da televisão no Brasil ao televizinho em Cuiabá: aspectos históricos e a influência na Cuiabá dos anos 70. Cuiabá: Editora Stúdio Press &amp Multicor Editores, 1997.
https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2024-08/presenca-de-tv-diminui-e-421-dos-larescom-televisao-tem-streaming
Jornal O Estado de Mato Grosso. Edições 4.679, 4.704, 4.773, 5.409, 5.419, 5.458, 5.475 e 5.642.
Livro Ata nº 13 e nº 21. Arquivo Geral da Câmara Municipal de Cuiabá.
MARTINS JUNIOR, Moisés Mendes. Revendo e Reciclando a Cultura Cuiabana. Cuiabá: Editora do Autor, 2000.
MUNIZ, Ana Elise &amp PEREIRA, Glaziela Vasconcelos. TV Centro América: uma história em fragmentos. Cuiabá: UFMT, 2005. Trabalho de Conclusão de Curso – Bacharelado em Radialismo.
SOTANA, Edvaldo Correa. Integração nacional por antenas de TV e a transmissão do Jornal Nacional para Cuiabá-MT (1976). Nº 26, Volume 14. Domínios da Imagem, 2020.

Fonte: Câmara de Cuiabá – MT