Representantes de diferentes entidades ligadas à educação de pessoas com deficiência (PcD) defenderam, em audiência no Senado, que o novo Plano Nacional de Educação (PNE) contemple propostas específicas para cada perfil de estudante. Para os debatedores, a inclusão escolar precisa garantir não apenas o acesso, mas também a aprendizagem, o bem-estar e o desenvolvimento integral dos alunos.
Ao longo do debate, os participantes destacaram que a realidade de estudantes com deficiência intelectual, visual, surdez, autismo ou alta habilidades exige abordagens pedagógicas diferenciadas, formação adequada de professores, monitoramento da aprendizagem e condições estruturais que respeitem as singularidades de cada um. Foi unânime entre os expositores a necessidade de superar uma visão homogênea da inclusão escolar, substituindo o foco exclusivo na matrícula pelo compromisso com o direito efetivo de aprender. Também foram defendidos o fortalecimento das escolas especializadas e o reconhecimento do papel das famílias na escolha do percurso educacional mais adequado para seus filhos.
O debate foi promovido pela Comissão de Educação (CE) na terça-feira (17), como parte do ciclo de audiências públicas sobre o novo PNE. Essa foi a sétima reunião do ciclo e foi conduzida pela presidente da comissão, senadora Teresa Leitão (PT–PE), que destacou a importância do processo participativo
— O plano terá legitimidade porque carrega a marca do diálogo desde a origem — afirmou a senadora ao destacar o compromisso do colegiado em garantir um PNE inclusivo, democrático e conectado à realidade de todas as comunidades escolares.
Necessidades diversas
Viviani Guimarães, vice-presidente do Movimento Orgulho Autista Brasil (Moab), defendeu mudanças no texto do PNE para assegurar meios concretos de aprendizagem às pessoas com autismo, como planos individualizados, formação adequada de professores e estruturas de apoio. Ela criticou a visão que reduz a inclusão apenas à presença física do aluno em sala comum, sem considerar suas necessidades específicas, e alertou para os impactos emocionais de experiências mal estruturadas de inclusão.
— Com a Lei Brasileira de Inclusão, temos o direito de estar na sala de aula, mas não temos a garantia da aprendizagem. […] A socialização é importante, mas precisa ser consequência de um processo estruturado, e não o único objetivo da inclusão — destacou, ao relatar casos de estudantes autistas que, diante da falta de mediação, apoio e compreensão nas escolas regulares, acabam sofrendo tristeza profunda, crises emocionais e até depressão.
Ao celebrar o avanço no reconhecimento da educação bilíngue no texto preliminar do novo PNE, Mariana de Lima Isaac Leandro Campos, diretora de Políticas Educacionais da Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), também alertou que esse direito ainda encontra obstáculos concretos no dia a dia escolar. Segundo ela, faltam escolas bilíngues em quantidade suficiente, além de formação e contratação de profissionais fluentes em Libras, o que compromete o acesso real à aprendizagem pelos estudantes surdos.
— A educação bilíngue é um direito linguístico e pedagógico, uma expressão de cidadania. Precisamos garantir que a Libras seja reconhecida como primeira língua e que o português escrito seja ensinado como segunda, com professores capacitados e escolas realmente preparadas, e não apenas com intérpretes em sala comum, o que não atende à especificidade da comunidade surda.
Karolyne Ferreira, secretária-executiva da Coalizão Brasileira pela Educação Inclusiva, reforçou a defesa da escola comum como ambiente legítimo e prioritário para a formação de todos os estudantes, inclusive os que têm deficiência. Ela destacou que o novo PNE precisa consolidar essa diretriz como política de Estado, garantindo recursos, formação docente, acessibilidade e apoio técnico-pedagógico às redes públicas. Segundo Karolyne, é necessário romper com visões assistencialistas e investir na transformação das escolas para que sejam, de fato, inclusivas.
— A escolarização de pessoas com deficiência deve ocorrer nas escolas comuns, fundamentada nos princípios da equidade, da valorização da diversidade e da eliminação das diversas formas de exclusão, com estratégias de apoio que assegurem a aprendizagem e o pertencimento dos estudantes em todas as etapas da educação básica.
Já para presidente da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas (Abraça), Jéssica Borges, existe uma lacuna na formação de professores da rede regular. Ela também criticou a visão ainda marginal da inclusão nas políticas públicas, e defendeu que o novo Plano Nacional de Educação incorpore mecanismos concretos de avaliação da presença, da participação e da aprendizagem de estudantes com deficiência, além de prever investimentos em formação docente e no acompanhamento pedagógico individualizado.
— Hoje apenas 6% dos professores regentes têm formação continuada em educação especial. A inclusão precisa deixar de ser tratada como algo excepcional e passar a ser vista como eixo central da qualidade da escola pública, com planejamento, responsabilidade compartilhada e compromisso com o direito à aprendizagem de todos.
Jarbas Feldner de Barros, presidente da Federação Nacional das APAEs, defendeu que a deficiência intelectual seja tratada de forma específica no novo PNE, com políticas que levem em conta o comprometimento cognitivo dos estudantes. Ele destacou que, diferentemente de outras deficiências em que o cognitivo está preservado, o público atendido pelas APAEs enfrenta obstáculos maiores para compreender, elaborar e expressar ideias — o que exige estratégias diferenciadas e individualizadas. Barros também criticou a visão de que a simples presença na escola comum garante inclusão e relatou casos em que alunos retornaram às instituições especializadas por não conseguirem se adaptar.
— O movimento apaeano não olha apenas o lócus, mas a condição da pessoa. Muitos alunos que foram para a rede regular estão voltando para a Apae em situações de tristeza, depressão e isolamento, porque não conseguem acompanhar. A socialização não deve ser a causa da inclusão, mas uma consequência — e essa consequência também pode ser vivida nas instituições especializadas, que acolhem, respeitam e promovem o desenvolvimento dessas pessoas com os apoios de que elas realmente precisam.
Debater para avançar
Matheus Carvalho Camargo, jovem superdotado que participou de audiência sobre o tema em 2023, esteve presente com sua mãe, Adelita Andresa Carvalho. Ele entregou à comissão cópias de seu livro “O Ápice da Inteligência” e agradeceu pela oportunidade.
— Foi uma longa jornada até aqui, e eu espero que essa história possa inspirá-los a continuar com esse maravilhoso trabalho em busca da inclusão.
A senadora Damares Alves (Republicanos–DF) elogiou a comissão por abrir espaço ao debate plural e institucional sobre a inclusão no novo PNE. Segundo ela, é preciso reconhecer que o tema provoca divergências, mas que o diálogo respeitoso fortalece o processo democrático. Damares defendeu a escuta ativa das famílias, a valorização de suas escolhas e o reconhecimento das transformações sociais e educacionais ocorridas desde a Lei Brasileira de Inclusão, em 2015. Para a senadora, a nova geração de estudantes exige uma reavaliação dos modelos de inclusão escolar, com foco no potencial dos alunos e em estratégias mais adaptadas às suas realidades.
— Esses meninos, que são ditos autistas, eu tenho falado que são respostas para a nação. Estão vindo com uma habilidade incrível, e a gente vai ter que pensar essa nova geração. A família tem o direito de decidir, e a gente não vai entregar um PNE sem ouvir as famílias, sem valorizar a autoridade e a autonomia da família — enfatizou.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado