Há 50 anos, em 18 de julho de 1975, o Brasil registrava um dos eventos climáticos mais devastadores da história da agricultura nacional: a chamada geada negra. Diferente da geada comum, esse fenômeno ocorre quando uma massa de ar extremamente fria e seca congela os tecidos das plantas de dentro para fora, sem formação de cristais de gelo visíveis. O resultado é uma aparência de queima total — como se o campo tivesse sido passado por fogo.
Naquela madrugada, o impacto foi brutal. Estima-se que cerca de 1 bilhão de pés de café tenham sido destruídos, principalmente nos estados do Paraná e parte de São Paulo. A devastação foi tão ampla que marcou o fim da hegemonia do Paraná na cafeicultura brasileira. A produção praticamente desapareceu no ano seguinte, e milhares de famílias foram forçadas a abandonar suas propriedades. O episódio provocou um redesenho completo da economia agrícola da região.
Segundo registros do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná (IDR-Paraná), o frio intenso de 1975 chegou com força a cidades como Londrina, Apucarana e Cornélio Procópio. Em muitas delas, os termômetros marcaram temperaturas abaixo de –2 °C, com vento seco e constante — combinação ideal para a ocorrência da geada negra. A estimativa do número de pés de café perdidos é mencionada em documentos técnicos da Secretaria da Agricultura do Paraná, e ratificada por estudos da Embrapa e do Instituto Agronômico (IAC).
Pode voltar a acontecer – Especialistas afirmam que sim, embora seja raro. De acordo com o meteorologista Ronaldo Coutinho, consultor técnico do setor agrícola, a combinação que forma a geada negra — ar polar seco e frio intenso persistente — ainda é possível em regiões de clima subtropical como Sul de Minas, Planalto do Paraná, Sul de São Paulo e até no Centro-Oeste elevado.
Um novo episódio traria impactos catastróficos: perda imediata de lavouras sensíveis (como café, trigo, hortaliças, milho e frutas), quebra nas cadeias de fornecimento, escassez de matéria-prima na indústria e aumento nos preços ao consumidor. “Seria um desastre econômico e social. Ainda que hoje tenhamos maior tecnologia e previsões, muitas áreas agrícolas continuam vulneráveis”, alerta Coutinho.
A Embrapa Café já alertou em relatórios anteriores que a recuperação de lavouras perenes após uma geada negra pode levar até cinco anos, gerando enorme prejuízo para o produtor e queda drástica na oferta nacional.
Lições do passado – Apesar da tragédia, a geada de 1975 também provocou mudanças estruturais importantes. O Paraná, antes concentrado na monocultura do café, diversificou sua produção. Soja, milho, trigo, pecuária e fruticultura ganharam espaço, o que fortaleceu a economia regional a longo prazo. A diversificação também ampliou a resiliência das propriedades frente a eventos climáticos extremos.
Hoje, o alerta permanece. Instituições como o INMET, Embrapa, IDR-Paraná e universidades públicas monitoram constantemente o risco de frio extremo. Ainda assim, o setor agrícola precisa manter-se vigilante, adotar boas práticas de manejo, investir em variedades mais resistentes e ter planos de contingência, especialmente em tempos de mudança climática.
Fonte: Pensar Agro