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Em homenagem à Lei Brasileira de Inclusão, participantes alertam para risco de retrocesso

Inclusão, amor e respeito. Foi com esse pedido que os dez anos da Lei Brasileira de Inclusão, também conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência, foram celebrados durante sessão solene no Senado, nesta segunda-feira (14). Reconhecida como um marco histórico na promoção da cidadania e dos direitos das pessoas com deficiência, a lei foi lembrada pelos participantes não apenas como uma conquista, mas também como um compromisso permanente de proteção e aprimoramento. Os participantes — entre os quais estavam pessoas com deficiência, parlamentares e outros representantes da sociedade civil — destacaram a construção coletiva e democrática dessa legislação e alertaram para os desafios que ainda precisam ser enfrentados para garantir sua plena efetividade e a resistência a tentativas de retrocesso.

A Lei Brasileira de Inclusão deu efetividade à Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, aprovada em Nova York em 2007 e ratificada pelo Brasil em 2008. Essa convenção estabeleceu diretrizes para assegurar o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com deficiência em condições de igualdade, com foco na inclusão social e na cidadania.

De acordo com os participantes, toda essa luta refletiu e referendou os anseios das pessoas com deficiência, população que atualmente é de cerca de 18 milhões no Brasil.

O senador Paulo Paim (PT-RS), que solicitou a sessão solene por meio do requerimento RQS 330/2025, foi o autor do projeto que deu origem à Lei Brasileira de Inclusão — ele apresentou a proposta quando ainda era deputado federal, em 2000.

Os senadores Flávio Arns (PSB-PR), Romário (PL-RJ) e Mara Gabrilli (PSD-SP) estiveram entre os relatores desse projeto (ou seja, eles analisaram a proposta e apresentaram pareceres sobre a matéria).

Paim destacou que essa legislação “não partiu do nada”, e que veio para consolidar justamente o caminho de conquistas e de conscientização da população por meio de leis, normas e concordância com convenções internacionais, como a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, da ONU.

— O Estatuto da Pessoa com Deficiência é muito mais do que uma simples consolidação; é a reunião das conquistas que os movimentos sociais das pessoas com deficiência construíram com muito debate, muito diálogo, muita articulação. Não precisamos de uma nova consolidação ou um novo código. Não existe uma lei perfeita. Aperfeiçoar, melhorar, discutir, aprofundar, aqui e acolá, faz parte da história. Agora, querer fazer uma nova lei, revogando a construção da atual legislação, é um equívoco. Nosso código é a Lei Brasileira de Inclusão — declarou ele. 

Paim também fez uma homenagem póstuma, com um minuto de silêncio, a Celso Zuppi, ativista do movimento das pessoas com deficiência que faleceu no ano passado, e a Bianca Bernardon Zanella, menina autista de 11 anos que morreu na última quinta-feira (10) após cair de um cânion durante um passeio com os pais no Parque Nacional da Serra Geral, em Cambará do Sul (RS). 

Na opinião do senador Romário, a Lei Brasileira de Inclusão é um “marco que abriu portas e levou dignidade a milhões de brasileiros”. 

Já a gerente da Associação Gaúcha de Distrofia Muscular, Karina Hamada, e a representante da Rede-In no Observatório de Direitos Humanos do Judiciário, Ana Cláudia Figueiredo (que é mãe de uma pessoa com síndrome de down), descreveram a lei como um símbolo de dignidade, equidade e de cidadania. No entanto, ambas reforçaram que os dez anos de sua sanção também convocam a sociedade para a defesa incondicional das suas normas.

— A mobilização pela sua implementação e por sua regulamentação integral, assim como a avaliação da sua trajetória como lei, até agora, é para permitir, por exemplo, estratégias para a efetivação de direitos ainda não materializados — ressaltou Ana Cláudia Figueiredo.

Aprimoramento

A senadora Mara Gabrilli celebrou os dez anos da lei destacando o processo democrático para a sua formulação e aprovação. Ela também homenageou todos aqueles que contribuíram para a construção desse marco legal.

Ela disse que a Lei Brasileira de Inclusão e a Convenção da ONU sobre a Pessoa com Deficiência são “escudos” de proteção a esse segmento da população, e que o cumprimento dos mesmos servem de parâmetro para medir o desenvolvimento humano no país. Mara observou que, “sem inclusão, não existe crescimento de verdade”. E apontou melhorias que ainda precisam ser asseguradas em lei. 

— É claro que a gente sabe que há muita coisa ainda a ser feita, como a regulamentação do instrumento de avaliação biopsicossocial da deficiência e da formação e da atuação do profissional de apoio escolar, por exemplo. Temos ainda de ampliar o uso do instrumento da tomada de decisão apoiada. [Também são necessarios] a fiscalização e o aperfeiçoamento de direitos que, mesmo já estando em vigor, ainda não são cumpridos plenamente, como, por exemplo, o direito ao saque do FGTS para a aquisição de órteses e próteses. 

Maria Aparecida Gurgel, vice-procuradora-geral do Trabalho do Ministério Público do Trabalho, enalteceu a Lei Brasileira de Inclusão por promover alterações e avanços em outras legislações (como aquelas que tratam especificamente do acesso à educação, ao trabalho, à cultura, à moradia, à mobilidade, à saúde, à Justiça, assim como os códigos civil e eleitoral, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), as leis orçamentárias, os códigos de trânsito e do consumidor) para adequar esses marcos legais aos direito de inclusão da pessoa com deficiência.

Na visão dela, é preciso fortalecer a Lei Brasileira de Inclusão para “preencher lacunas”, conscientizar as pessoas e eliminar estereótipos, reforçando o potencial das pessoas com deficiência, enfrentando o capacitismo e a discriminação.

— Nós ainda temos lacunas que precisamos enfrentar. Uma delas diz respeito a mulheres e meninas com deficiência. Esse é um capítulo que está na Convenção [da ONU] e que futuros projetos de lei podem enfrentar — salientou Maria Aparecida Gurgel. 

Avaliação biopsicossocial 

Assim como a senadora Mara Gabrilli, o gerente da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) José Marcos Cardoso do Carmo e a ex-deputada federal Roseane Estrela (que atualmente é diretora de Relações Institucionais do Comitê Brasileiro de Clubes Paralímpicos) afirmaram que é urgente a necessidade de regulamentar a avaliação biopsicossocial.

Atualmente, a Lei Brasileira de Inclusão estabelece a avaliação biopsicossocial como um instrumento para avaliar a deficiência, considerando aspectos biológicos, psicológicos e sociais. No entanto, a implementação dessa avaliação tem enfrentado desafios e críticas em relação à sua aplicação prática e à garantia de direitos das pessoas com deficiência.

— Outro obstáculo grave é a plena implementação da Lei Brasileira de Inclusão e a ausência da avaliação biopsicossocial prevista nessa lei. Sem ela, o acesso a direitos como o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o Emprego Apoiado e mesmo o atendimento prioritário em políticas públicas fica comprometido — afirmou José Marcos. 

Por outro lado, a secretária dos Direitos da Pessoa com Deficiência do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Anna Paula Feminella, apesar de reconhecer a urgência em melhorar esse mecanismo de avaliação para o acesso a políticas públicas, alertou sobre os riscos jurídicos de se “perder a identidade de quem são as pessoas com deficiência” e de se “desfocar as políticas públicas”. Ela disse que o governo tem se preocupado em aprimorar essa avaliação e assim tornar a legislação cada vez mais efetiva, especialmente no que se refere ao acesso aos benefícios e à política de cotas. 

— Construímos um protótipo de plataforma web para a aplicação da avaliação biopsicossocial, com o Índice de Funcionalidade Brasileira Modificado. Realizamos projetos pilotos no Piauí e na Bahia, e houve aperfeiçoamento a partir desses pilotos. Para dar efetividade, a gente está fazendo a adesão de diversos órgãos públicos para serem capacitados, no sentido de focar as tratativas para viabilizar essa aplicação nas instituições públicas federais, educacionais e por órgãos responsáveis pela seleção de pessoas (de servidores públicos inicialmente).

Educação e fiscalização

Izabel Maior, professora aposentada de medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-Secretária Nacional da Pessoa com Deficiência, citou ainda, como lacuna, a oferta de mais inclusão no processo educacional. 

— Nós precisamos dar certezas às famílias que têm crianças e adolescentes autistas, que têm crianças, adolescentes e adultos com síndrome de down,  com paralisia cerebral, com quadro de tetraplegia, com situações de deficiências múltiplas, com cegueira, de que a educação inclusiva contempla e dá as condições para que essas pessoas recebam todo o processo pedagógico e recebam todo o suporte e apoio necessários.  

Especialista em educação especial e autismo, mãe atípica e representante da Secretaria de Educação de Osasco (SP), Érica Lemos também apontou necessidade de melhorias no processo educacional.

— A educação não é apenas presença ou matrícula na escola, é muito mais que isso. O próprio artigo 28 da Lei Brasileira de Inclusão garante a permanência, a participação e a aprendizagem [dos alunos com deficiência],mas nós temos, infelizmente, alguma falhas. Quem é o profissional de apoio que tem de ficar com essas crianças? Será que existe uma formação, capacitação desses professores? Incluir é mais do que generalizar, é olhar com olhar humano.

Já a auditora-fiscal do Ministério do Trabalho e Emprego Lailah Vilela ressaltou que é preciso ampliar as condições de fiscalização, “para exigir que as empresas criem ambientes de acessibilidade e inclusão”. 

Resistência 

A presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH), Damares Alves (Republicanos-DF) homenageou os consultores e a assessoria que ajudou a construir a Lei Brasileira de Inclusão. Ela também destacou as atuações do ex-deputado federal Eduardo Barbosa, já falecido, e da ex-deputada federal Rosinha da Adefal.

Para a senadora, é preciso estar atento às tentativas de retrocesso. 

— E agora, qual vai ser a próxima luta? É não baixar a guarda. Nenhum passo atrás, nenhum retrocesso, nenhum ataque à Lei Brasileira de Inclusão. Essa será a nossa luta daqui para frente. 

O alerta também feito pelo desembargador do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná e primeiro juiz cego do Brasil, Ricardo Tadeu da Fonseca. Ele disse que essa lei sempre é alvo de “ataques”, seja por parte do Executivo ou do próprio Legislativo, e pediu engajamento contra qualquer inclusão de leis que venham a enfraquecer esse arcabouço legal.

A sessão foi encerrada com a participação do DJ Dudu Atiê, um jovem com síndrome de down que fez do Plenário uma pista de dança. Ele apresentou remixes de músicas como We Are the Champions, do Queen e Dias melhores, do Jota Quest, para transmitir sua mensagem e colocar os participantes para dançar.

Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)

Fonte: Agência Senado

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