Ozzy, um adorável monstro em festa de Halloween sem fim: mais que assustar, encantava e divertia

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Entrevista exclusiva de Ozzy Osboune no Jornal da Tarde de 19 de janeiro de 1985. Foto: Acervo Estadão

Desde a vinda do Kiss, em 1983, não se via nada igual. Se dois anos antes os mascarados americanos excitavam a imaginação da molecada com histórias de pintinhos sendo mortos por saltos de botas gigantes em pleno palco e associações com o nome da banda a práticas demoníacas, desta vez era o próprio diabo em pessoa que aportaria por aqui. Ozzy Osbourne estaria entre nós.

A história do morcego comido no palco tinha milhares de versões, uma mais absurda que a outra. A imagem da “besta-fera” era reforçada com fotos de Ozzy ora incorporando um vampiro, ora um lobisomem, ou apenas exibindo tatuagens sinistras com monstros, caveiras e outros símbolos macabros. Numa época em que só o fato de ter tatuagem era um sinal de transgressão.Logotipo de Ozzy Osbourne nos anos 80 Foto: Ozzy

Logotipo de Ozzy Osbourne nos anos 80 Foto: Ozzy"Rock satânico": Ozzy Osbourne no Estadão de 16 de janeiro de 1985. Foto: Acervo Estadão

“Rock satânico”: Ozzy Osbourne no Estadão de 16 de janeiro de 1985. Foto: Acervo Estadão

Foi com essa aura demoníaca e com o inigualável currículo de ser o primeiro vocalista do Black Sabbath que Ozzy Osbourne chegou ao Rio de Janeiro para duas apresentações no histórico Rock in Rio de 1985, festival realizado num descampado em Jacarepaguá. Mas logo no desembarque, a surpresa: em vez de um ser soturno que naqueles dias incomodava corolas conservadores dos Estados Unidos, um simpático cara que mais parecia aqueles turistas ingleses branquelos que aportam nas praias brasileiras.

Até um chapéu típico para se proteger do sol usava o roqueiro nas entrevistas. O teatro macabro era isso: teatro. Reservado apenas ao palco. E, ali, Ozzy não decepcionou.

Acompanhando por uma banda afiadíssima, mostrou que – mesmo “desengonçado para andar e dançar, duro de cintura e com alguns quilos a mais” – entendia do riscado e porque era, e ainda é e será para sempre, um dos principais nomes do rock pesado.

A diferença entre a persona dos palcos e da vida real deu o tom da cobertura sobre Ozzy naquele começo de 1985, como mostram as páginas do Estadão e do Jornal da Tarde.Ozzy Osbourne, no Jornal da Tarde de 16 de janeiro de 1985. Foto: Acervo Estadão

Ozzy Osbourne, no Jornal da Tarde de 16 de janeiro de 1985. Foto: Acervo Estadão

John Michael Osbourne

O próprio Ozzy fez questão de explicar a dualidade:

“Ele chegou ao salão vermelho do hotel Rio Palace, para a tradicional entrevista coletiva, mais para John Michael Osbourne do que propriamente para o satânico Ozzy, escreveu “M.A” no Jornal da Tarde de 16 de janeiro de 1985, sob o título “Em casa, um pacato pai. No palco um demônio.

“Naturalmente extravagante, mas sem as roupas espalhafatosas que o caracterizam, com um chapéu que lhe deixava parte do comprido cabelo à mostra. Simpaticíssimo, um eterno gozador do espanto alheio, não foi possível falar sério com ele. Diz que no palco “é outra pessoa e que tudo o que faz e diz ali faz parte da sua música e do que o público gosta. “Se não fosse assim, ninguém assistiria aos meus shows. E canto sempre para multidões”. (…) “No palco ele é, ao mesmo tempo, ator e cantor”, continuou o texto.

Três dias depois, na data do segundo show de Ozzy no festival, uma entrevista exclusiva, desta vez assinada por “M.G” no Jornal da Tarde, dissecava a persona artística sob “O monstro Ozzy, por John Michael Osbourne. Temido por todos, é um personagem criado por John, porque é no mundo da fantasia que ele vive”.

Tal qual um Zé do Caixão que aqui no Brasil se fundia ao cineasta José Mojica Marins, Ozzy Osbourne explicava a gênese de criador e criatura.

Leia alguns trechos:

Personagem Monstruoso

“Eu criei esse personagem monstruoso de Ozzy Osbourne. E as pessoas gostam desse monstro. Eu quero que as pessoas gostem desse monstro, porque ele é desse mundo de fantasia que vivo,”. Enfatiza: “Ozzy é teatral”, um trabalho seu de representação, em que expressa o seu gosto desde a infância pelo gênero terror – filmes, histórias em quadrinhos, tudo que leve esse estilo. Uma mania sua, como qualquer outra.

E quem é Ozzy Osbourne?

“E quem é Ozzy Osbourne? Ele responde: ”Sou eu”, e se mostra. Continua: “Ozzy é assim… grrrrr!!! – Faz ruídos, uma carte mostrando os caninos, e fica com um expressão até estranha, porque, falando como artista, está sem as pinturas que usa nas apresentações. Defende-se das acusações que lhe são feitas; defende o heavy metal, mostra os equívocos

Estava morrendo

– Eu costumava tomar muita bebida, muita droga. Agora não faço mais isso, porque estava morrendo. As pessoas julgam muito meu trabalho por causa das capas de meus discos (sempre mostrando seres diabólicos e infernais, terroríficos”). Mas não sou eu que faço as capas. As pessoas nunca se dão ao trabalho de ouvir meus discos. Existe uma campanha muito grande contra mim na América, mas as pessoas não se dão ao trabalho de ouvir (e, irritado, bate as mãos nos ouvidos, expressando o que fala)

Mito

Não há contradições, também esclarece. “É um mito que eu eu gosto de manter porque eu quero vender discos, porque eu estou na show business. Não gostaria, lembra, de no final dos meus dias, quando estiver citado em algum livro sobre o rock and roll, aparecer como Ozzy Osbourne o homem que comia cabeças de morcego. Eu gostaria que estivesse escrito uma outra coisa tipo: Ozzy Osbourne, que ganhou não sei quantos discos de platina…”

Morcegos, só aos domingos

“… Brincando, diz que come morcegos mesmo ”só aos domingos” E respondendo como consegue passar aos fãs explicações sobre as diferenças tão gigantescas que há entre ele, John Michael Osbourne, e Ozzy Osbourne, diz.

Maluco pelos Beatles

– Mesmo que eu queira, jamais vou conseguir mudar essa minha imagem. Quanto eu era garoto, era maluco pelos Beatles. Usava cabelos iguais à dos Beatles. Botinhas iguais às dos Beatles. Jamais qualquer coisa que as pessoas dissessem sobre os Beatles teria importância. A mesma coisa acontece comigo, eu vendo essa imagem para os jovens. E os jovens acreditam naquilo que querem acreditar. Não importa o que conheçam da minha vida privada. Jamais vai fazer nenhuma diferença.

Rock and roll até o fim

De qualquer forma, garante, é o “responsável” por Ozzy e responde por qualquer coisa ruim que ele faça para o público. “É o John quem vai responder pejos atos de Ozzy”. Você nunca é velho demais para o rock and roll. Enquanto tiver audiência, continuarei cantando”.

Clique na imagem para ampliar e ler a íntegra:Ozzy Osbourne no Jornal da Tarde de 19 de janeiro de 1985. Foto: Acervo Estadão

Ozzy Osbourne no Jornal da Tarde de 19 de janeiro de 1985. Foto: Acervo EstadãoOzzy Osbourne no Rock in Rio em 1985. Foto: Acervo Estadão

Ozzy Osbourne no Rock in Rio em 1985. Foto: Acervo Estadão

Fonte: Estadão