Taxação de Trump expõe desgaste com ações do STF contra Bolsonaro e articulação externa da oposição

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O presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou tarifas de 50% para o Brasil nesta quarta-feira (9) (Foto: MICHAEL REYNOLDS/EPA)

A decisão do governo de Donald Trump de determinar tarifa de 50% sobre produtos importados do Brasil é consequência de um conjunto de ações adotadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Supremo Tribunal Federal nos últimos anos. Uma delas é o processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), aliado de Trump, que tramita na Suprema Corte brasileira. Ao anunciar a taxação nesta quarta-feira (9), governo dos Estados Unidos disse que a forma como o Brasil tratou Bolsonaro “é uma vergonha internacional” e que o “julgamento não deveria estar acontecendo”. 

Membros da direita brasileira, aliados próximos, familiares de Bolsonaro e o próprio ex-presidente há anos têm salientado a perseguição política a esse grupo político e tentam reverberar as críticas ao STF, principalmente ao ministro Alexandre de Moraes, no exterior. Trata-se de uma tentativa de mostrar às democracias de outras nações o que ocorre no Brasil. As estratégias da oposição – capitaneadas pelo deputado licenciado Eduardo Bolsonaro nos EUA – têm surtido efeito ao alertar para a situação enfrentada por opositores de Lula.

Desde segunda-feira (7), Trump vinha criticando o Brasil pela postura contra Bolsonaro. Ele comparou as ações judiciais contra o ex-presidente brasileiro com sua situação antes de retornar à Casa Branca, classificando-a como um “caças às bruxas”.

Outro ponto citado pelo americano com relação ao STF foram as decisões da Corte contra empresas de mídia dos EUA. De acordo com Trump, a Suprema Corte “emitiu centenas de ordens de censura SECRETAS e ILEGAIS a plataformas de mídia social dos EUA, ameaçando-as com milhões de dólares em multas e expulsão do mercado brasileiro de mídia social”.

Para o cientista político Juan Carlos Arruda, CEO do Ranking dos Políticos, a manifestação do presidente dos EUA “projeta o embate jurídico brasileiro para a vitrine internacional, colocando ainda mais pressão sobre o STF”. Ele alerta que, em caso de condenação de Bolsonaro, especialmente se isso o tirar das eleições de 2026, “é possível que se intensifique a narrativa de perseguição política, não apenas no Brasil, mas entre setores conservadores globais”. Embora não acredite que isso vá alterar o curso institucional do país, Arruda destaca que “torna o custo reputacional mais alto para as instituições”.

Mas a decisão de Trump também é resultado do antiamericanismo de Lula, exposto em declarações recentes na Cúpula dos Brics, no Rio de Janeiro, em que os países-membros defenderam a adoção de um sistema de pagamento alternativo ao dólar. No domingo (6), o republicano já havia afirmado que iria impor uma tarifa adicional a “qualquer país que se alinhar às políticas antiamericanas do Brics”. A ameaça era de taxa de 10%, mas o anúncio desta quarta foi bem superior – com tarifa de 50% aos produtos brasileiros.

Aliado ao antiamericanismo da atual gestão, pesa contra o Brasil a decisão de Lula de se aproximar de governos ditatoriais e autocráticos. “O alinhamento do Brasil com China, Rússia, Irã, Venezuela e outros inimigos jurados dos EUA foi sendo mal-recebido pela diplomacia americana. Eles foram demostrando o desapontamento inicialmente de forma mais leve, depois de forma mais contundente”, explica o professor e doutor em Ciência Política Adriano Gianturco, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec.

Gianturco lembra que o presidente Lula rompeu protocolos diplomáticos ao criticar duramente Trump durante a campanha presidencial americana e continuou com declarações desfavoráveis mesmo após a eleição do republicano. Além disso, teria se recusado a negociar diretamente as ameaças tarifárias em seus primeiros sinais, deixando a condução para o Itamaraty e setores produtivos.

“Houve aconselhamento técnico para evitar declarações polêmicas, mas o presidente [Lula] optou por manter uma linha política crítica ao Ocidente e às estruturas tradicionais, como a defesa da desdolarização do comércio internacional”, afirma. 

Opinião semelhante foi apresentada pelo cientista político Fábio Maia Ostermann, professor e mestre em Administração Pública pela Harvard Kennedy School. Ele avalia que a medida de Trump é um “reflexo da deterioração da imagem do Brasil, um país que, aos olhos do mundo, caminha cada vez ao lado do eixo global das ditaduras”. “A instabilidade institucional e a percepção externa de que há uma perseguição política ao ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores têm um custo econômico real e previsível”, afirma Ostermann. 

Além disso, outra alegação do presidente dos EUA para impor a tarifa adicional é de que há uma relação comercial injusta entre os países – o que é contestado pelo governo brasileiro. 

O cientista político Adriano Cerqueira, professor do Ibmec de Belo Horizonte, vê uma escalada nas declarações de Trump. “Ele está indicando que vai intensificar a pressão contra o Brasil”, afirma.

Cerqueira também observa que o STF tem atuado de forma coesa, mas questiona até que ponto essa unidade resistirá a sanções externas: “Caso um deles sofra uma sanção pesada, como tudo indica que deva acontecer com Alexandre de Moraes, até que ponto os demais ministros vão querer embarcar nessa mesma canoa?”, questiona.

Além disso, ele aponta um impacto direto na política externa brasileira. “Essas declarações do Trump são indicativos de que o Brasil está entrando numa órbita de um país considerado até mesmo adverso em relação aos interesses americanos”, diz.

Segundo ele, o apoio do Departamento de Estado às críticas de Trump mostra que “o processo não é só do presidente, está avançando institucionalmente”. O especialista avalia que isso pode “isolar o Brasil no contexto do bloco ocidental como um país estranho, que não está de acordo com as diretrizes pensadas para países em favor da democracia”.

Já o doutor em Ciência Política Leandro Gabiati avalia que há um risco para a direita brasileira neste movimento. “Trump ajudou positivamente na estratégia de Bolsonaro enquanto se manteve no plano discursivo. Agora, no entanto, ao tomar medidas práticas que impactam o Brasil, o efeito pode ser o contrário ao esperado”, opina Gabiati.

Fonte: Fernanda Leitoles | Camila Abrão | Aline Rechmann | Vinícius Sales | Ana Carolina Curvello | Luis Kawaguti – Gazeta do Povo