A eleição presidencial na Bolívia marcou uma virada histórica neste domingo (17). Segundo noticiou a agência Reuters, o senador centrista Rodrigo Paz, do Partido Democrata Cristão (PDC), lidera a disputa e colocou o governista Movimento ao Socialismo (MAS) diante de sua pior derrota em uma geração.
De acordo com os primeiros números divulgados pelo Tribunal Eleitoral, Paz obteve 32,18% dos votos, seguido pelo ex-presidente conservador Jorge “Tuto” Quiroga, da coalizão Alianza, com 26,94%. O candidato do MAS, Eduardo del Castillo, não chegou a 4%, registrando apenas 3,16%.
A força de Rodrigo Paz e o apelo à mudança
O desempenho de Paz surpreendeu analistas e contrariou pesquisas que o apontavam com apenas cerca de 10% da preferência eleitoral. Em discurso transmitido na noite de domingo, ele exaltou o resultado como um marco de renovação política:
“A Bolívia não está apenas pedindo uma mudança de governo, está pedindo uma mudança no sistema político. Este é o início de uma grande vitória, de uma grande transformação”, declarou.
Enquanto apoiadores gritavam “renovação”, Paz anunciou que sua proposta central é descentralizar a administração pública por meio de um “modelo econômico 50-50”: metade do orçamento ficaria sob responsabilidade do governo central e a outra metade seria destinada às administrações regionais.
Quiroga garante vaga no segundo turno
Reconhecendo o resultado, Quiroga confirmou sua participação no segundo turno marcado para 19 de outubro e parabenizou Paz. O ex-presidente, que governou a Bolívia entre 2001 e 2002, promete cortes agressivos nos gastos públicos e uma guinada na política externa, afastando o país das alianças com Venezuela, Cuba e Nicarágua.
O empresário Samuel Doria Medina, do bloco Unidad, admitiu derrota e declarou apoio a Paz em uma eventual segunda volta.
Arce e Morales: reações distintas no campo do MAS
O atual presidente, Luis Arce, divulgou comunicado enxuto após os primeiros resultados:
“A democracia triunfou”, disse.
Já Evo Morales, ex-presidente e figura central do MAS, havia sido impedido de concorrer e convocou boicote às eleições. Seu apelo, no entanto, teve pouco efeito: a participação foi considerada regular e observadores internacionais não registraram grandes incidentes, apesar de pequenos episódios em Cochabamba, reduto histórico do MAS.
Economia em crise: o fator decisivo nas urnas
A votação ocorreu sob forte pressão econômica. A inflação disparou para 23% em junho, mais que o dobro da registrada em janeiro, e já supera a de países da região duramente atingidos durante a pandemia. Além disso, a escassez de combustíveis e de dólares vem afetando diretamente a vida da população.
Para o economista Roger Lopez, ouvido pela Reuters, a situação é crítica:
“A Bolívia está no limite. Não tem dólares e enfrenta obrigações que precisam ser pagas em dólares, e os eleitores entendem que os próximos anos serão difíceis.”
Esse quadro levou milhões de eleitores a punirem o MAS, abrindo espaço para a ascensão do centro e da direita, que juntos somaram cerca de três quartos da votação, segundo a contagem preliminar.
Vozes das ruas: a busca por renovação
Ex-eleitores do MAS admitiram à Reuters terem mudado de lado. Silvia Morales, 30 anos, trabalhadora do comércio em La Paz, disse ter votado em Paz:
“Ele é uma cara nova, mas com experiência. Acho que devemos abrir espaço para novas oportunidades.”
Outro morador da capital, o professor Carlos Blanco Casas, 60, destacou o sentimento de mudança:
“Esta eleição parece esperançosa. Precisamos de uma nova direção.”
Um ponto de inflexão político
Especialistas classificam a eleição como um “momento de encruzilhada” para a Bolívia, país que vive uma crise estrutural combinada com descontentamento popular diante de quase 20 anos de hegemonia do MAS. Para o segundo turno, o cenário é de confronto entre um projeto de descentralização e moderação, liderado por Paz, e a proposta de reformas radicais no campo econômico e geopolítico, defendida por Quiroga.
Enquanto isso, a Bolívia aguarda a proclamação oficial dos resultados dentro de sete dias e se prepara para uma das eleições mais decisivas de sua história recente.
Fonte: Brasil247