Uma decisão do ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), indica que empresas podem ser punidas no Brasil caso apliquem sanções contra o ministro Alexandre de Moraes seguindo determinação do governo de Donald Trump.
Na decisão proferida na segunda-feira (18/8), Dino proíbe a aplicação no Brasil de sentenças judiciais e leis estrangeiras que não estejam validadas por acordos internacionais ou referendadas pela Justiça brasileira.
Isso inclui a Lei Magnitsky, dos Estados Unidos, que foi usada pelo governo Donald Trump para retaliar Moraes devido a sua atuação no processo criminal que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) enfrenta no STF.
Para Trump, Moraes está perseguindo politicamente seu aliado e, por isso, se enquadra nos alvos dessa lei, desenhada originalmente para punir autores de graves violações de direitos humanos e práticas de corrupção.
Horas após a decisão de Dino, o Departamento de Estado dos EUA publicou na rede social X que “nenhum tribunal estrangeiro pode anular as sanções impostas pelos EUA ou proteger alguém das severas consequências de descumpri-las”.
Há três consequências principais para quem é colocado na lista de sancionados pela Lei Magnitsky: proibição de viagem aos EUA, congelamento de bens nos EUA e proibição de qualquer pessoa ou empresa nos EUA de realizar transações econômicas com o indivíduo penalizado.
Em tese, isso impediria Moraes de usar, por exemplo, cartões de crédito de bandeiras americanas, ou de ter contas e investimentos em bancos que atuem no mercado americano.
No entanto, os efeitos disso no Brasil ainda não são claros, e a nova decisão de Dino evidencia um impasse para as empresas afetadas: se descumprirem a lei americana, podem ser punidas nos EUA; por outro lado, se aplicarem sanções no Brasil em desrespeito a leis brasileiras, também podem ser punidas aqui.
“Acredito que, se as empresas aplicarem a lei estrangeira em desrespeito à decisão do STF, os indivíduos lesados poderão buscar reparação judicial”, afirmou à reportagem Larissa Ramina, professora de direito internacional da Universidade Federal do Paraná.
“A decisão do Dino não inventou a roda, apenas afirma o óbvio: no Brasil se aplica a lei brasileira, lei estrangeira só se aplica mediante validação pelos mecanismos de cooperação internacional. Trata-se do desdobramento mais simples de algo que chamamos ‘soberania'”, disse ainda.
Dino determinou que o Banco Central, a Federação Brasileira de Bancos e outras instituições do sistema financeiro brasileiro fossem notificados da decisão.
Segundo um ministro da Corte ouvido pela reportagem, empresas que queiram evitar punições nos EUA por eventual descumprimento da Lei Magnitsky no Brasil poderão recorrer à Justiça americana ou buscar diálogo político com a gestão Trump.
Além da inclusão na Lei Magnitsky, Moraes enfrenta um processo nos EUA, movido pela plataforma Rumble. A empresa acusa o ministro de censura por determinar a suspensão de contas.
Decisão de Dino envolve ação contra a Vale na Inglaterra
Para Larissa Ramina, a decisão de Dino passou um claro recado sobre a aplicação da Lei Magnitsky no Brasil, embora não a cite diretamente.
A decisão foi tomada em uma ação que questiona no STF um processo movido contra as mineradoras Vale e BHP na Inglaterra por vítimas do rompimento da barragem de Mariana (MG), em 2015.
A ação, apresentada pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), argumenta que seria inconstitucional processos movidos por municípios brasileiros no exterior, sob o argumento de que estariam ferindo a soberania nacional ao desconsiderar a autoridade do Judiciário brasileiro.
Em decisão de outubro passado referendada pelo plenário do STF, Dino acatou os argumentos do Ibram e proibiu que municípios brasileiros levem adiante contratos com escritórios estrangeiros nessas ações.
Depois disso, a Justiça inglesa determinou que o Ibram desista dessa ação no Brasil, sob o argumento de que a proibição de pagar os escritórios estaria dificultando o andamento da ação na Inglaterra.
Na sequência, os municípios afetados peticionaram ao STF em março para que fosse cumprida a decisão inglesa.
Foi a partir dessa movimentação que Dino decidiu, agora, reiterar o veto à aplicação de decisões e leis estrangeiras no Brasil sem homologação.
Em sua decisão, o ministro diz que o cenário mudou desde a proposição da ação pelo Ibram, há pouco mais de um ano, “sobretudo com o fortalecimento de ondas de imposição de força de algumas Nações sobre outras”.
“Com isso, na prática, têm sido agredidos postulados essenciais do Direito Internacional. Instituições do multilateralismo são absolutamente ignoradas”, disse ainda.
“Nesse contexto, o Brasil tem sido alvo de diversas sanções e ameaças, que visam impor pensamentos a serem apenas ‘ratificados’ pelos órgãos que exercem a soberania nacional”, reforçou.
Na decisão, o ministro estabeleceu ainda que “ficam vedadas imposições, restrições de direitos ou instrumentos de coerção executados por pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País, bem como aquelas que tenham filial ou qualquer atividade profissional, comercial ou de intermediação no mercado brasileiro, decorrentes de determinações constantes em atos unilaterais estrangeiros”.
Além disso, determinou a ineficácia, no Brasil, da decisão inglesa obrigando o Ibram a desistir da ação no STF.
No entanto, a decisão de Dino não afeta a eficácia da decisão na Inglaterra, explicou à reportagem a advogada Nadia de Araujo, professora de direito internacional privado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Segundo a professora, a Justiça inglesa pode multar as empresas envolvidas na ação na Inglaterra caso o Ibram — instituto que representa mineradoras no Brasil, incluindo Vale e BHP — não siga a determinação de abandonar a ação no STF.
A BHP é uma multinacional com sede na Austrália, mas com presença também na Inglaterra.
“O ministro tornou ineficaz aqui, porque isso é contra a nossa soberania. Mas se o juiz de lá der uma multa, não tem nada o que fazer. Só se a cobrança da multa tiver que ser executada aqui, aí a decisão terá que ser homologada aqui para ser cumprida”, explicou.
Fonte: BBC News Brasil