Corpo de Tenório Jr. é identificado na Argentina após quase 50 anos

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Corpo de Tenório Jr. é identificado na Argentina após quase 50 anos © Wikemedia Commons

A Justiça argentina informou à embaixada do Brasil em Buenos Aires a identificação do corpo do pianista Francisco Tenório Cerqueira Júnior, o Tenório Jr., desaparecido desde março de 1976. O músico acompanhava Vinicius de Moraes em turnê pela Argentina e Uruguai ao lado de Toquinho, Mutinho e Azeitona quando foi sequestrado em Buenos Aires, dois dias antes do golpe militar.

Segundo o comunicado, a confirmação foi possível graças ao cotejo de impressões digitais armazenadas em diferentes órgãos de busca de desaparecidos. Os restos foram localizados na região da Panamericana, na província de Buenos Aires, e a morte teria ocorrido em 20 de março de 1976, dois dias após o desaparecimento.

Investigações prosseguem com equipe forense

O caso será encaminhado à Equipe Argentina de Antropologia Forense, especializada na identificação de desaparecidos da ditadura. A investigação busca esclarecer como ocorreu o assassinato do pianista e quais agentes da repressão estiveram envolvidos.

“É uma descoberta para a história de uma família, da música brasileira e das ditaduras: a argentina, que cometeu o crime, e a brasileira, que o encobriu. Cinquenta anos depois, Tenório revive”, afirmou o colunista Ruy Castro em entrevista à Folha de S. Paulo.

Marta Rodríguez Santamaría, que era companheira de Vinicius de Moraes na época, também comentou a revelação. “É uma notícia surpreendente, quando já não tínhamos esperança de saber mais nada. De certo modo, dá um fechamento a essa história tão triste”, declarou.

Carreira interrompida pela repressão

Nascido em 4 de julho de 1941 no Rio de Janeiro, Tenório Jr. se destacou no cenário do sambajazz e da bossajazz nos anos 1960, tendo gravado o LP “Embalo” em 1964 ao lado de Paulo Moura, Raul de Souza, Milton Banana e outros músicos de renome. Tocou com artistas como Edu Lobo, Nana Caymmi, Chico Buarque, Gal Costa, Milton Nascimento, Egberto Gismonti e Joyce Moreno.

Último a dividir o palco com Vinicius e Toquinho, o pianista era reconhecido por sua técnica refinada e por uma carreira que prometia expansão internacional. Para Ruy Castro, “a música brasileira poderia ter sido outra se Tenório não houvesse desaparecido”.

História virou animação espanhola

O desaparecimento de Tenório Jr. inspirou o cinema e foi retratado no longa em animação “Atiraram no Pianista” (2023), dirigido pelo espanhol Fernando Trueba em parceria com o ilustrador Javier Mariscal. A produção combina entrevistas reais com músicos como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Toquinho e Milton Nascimento a uma narrativa ficcional conduzida por um jornalista de música, dublado por Jeff Goldblum na versão original. A trama reconstrói a trajetória do pianista e seu papel na música brasileira, e também resgata as principais teorias sobre seu destino.

A hipótese mais aceita é a de que Tenório Jr. tenha sido confundido com um militante político por causa da aparência e levado por engano pela repressão argentina. O filme apresenta o depoimento do ex-agente Claudio Vallejos, que confirma que o músico teria sido sequestrado “por engano”.

Reparação histórica e memória cultural

O reconhecimento dos restos mortais abre espaço para novas investigações sobre a atuação da repressão argentina e a colaboração de governos vizinhos no período da Operação Condor. Também reforça o simbolismo de homenagens como a placa instalada em 2023 no Hotel Normandie, em Buenos Aires, local onde Tenório foi visto pela última vez.

Fonte: Pipoca Moderna