A Comissão de Direitos Humanos (CDH) debateu, na segunda-feira (26), os desafios na adoção de crianças e adolescentes que têm menos famílias interessadas na adoção — o que inclui as crianças mais velhas, com deficiência e com irmãos. Os participantes apontaram campanhas de sensibilização, envolvimento da iniciativa privada e apadrinhamento como boas práticas e alternativas para promover o acolhimento e inclusão social nesses casos. O debate ocorreu em alusão ao Dia Nacional da Adoção, celebrado em 25 de maio, segundo a Lei 10.447, de 2002.
A audiência pública é a terceira do ciclo de debates sobre violações dos direitos humanos de crianças, adolescentes e jovens, requerido (REQ 8/2025 – CDH) pela presidente da CDH, senadora Damares Alves (Republicanos-DF). Ela relatou que, além de adotar uma menina, chegou a acolher temporariamente outra criança. Segundo ela, o modelo de “família acolhedora” é uma alternativa melhor que os abrigos. Com o serviço de acolhimento familiar, instituído por lei municipal e articulado com o Poder Judiciário, o poder público encaminha crianças e jovens abandonados ou sob ameaça de violência para residências de famílias previamente selecionadas e capacitadas.
— Uma noite em uma casa, com certeza, é mais agradável que em um abrigo. Se você não pode adotar, você pode ser uma família acolhedora. Os prefeitos têm que desenvolver mais a política em suas cidades. Você pode ficar um período com essa criança até o processo de adoção dela ser resolvido. Esse instrumento é poderoso, mas extremamente delicado — disse a senadora.
Adoção tardia
A juíza Karina Müller, que atua na vara da família e da infância em Camboriú (SC), afirmou que o sucesso da adoção é impactado pela forma como a criança é retirada dos pais (se por falecimento ou afastamento por abuso, por exemplo) e pela motivação da adoção pelos futuros pais. Na opinião da convidada, a idade da criança ou adolescente não é determinante na adaptação entre filhos e pais adotivos.
— Os desafios [que envolvem a adolescência na adoção] aparecem independentemente da idade. Se foi adotado enquanto bebê, com quatro anos, ou mais tarde, os desafios sempre aparecem. Mas [na adoção] na adolescência, o desafio aparece mais rápido, e por isso a preparação para adotar precisa ser aperfeiçoada… Quando começa a dar problema, [alguns pais] acabam devolvendo, dizendo ‘mas ele não é meu filho’. Mas, na lei, não tem diferença […] Ela tem uma história e essa história precisa ser olhada com respeito. A diferença é como nós adultos vamos lidar com essa história. A minha sugestão é que não julguem, não sintam pena da criança, pois isso enfraquece a criança — disse Karina Müller.
Há muitos pretendentes quando se trata de bebês aptos para a adoção, mas o interesse diminui à medida que a criança envelhece, apontou a juíza. Além do interesse dos pretendentes, continuou Karina Müller, há um processo de capacitação e de análise de perfil entre ambos.
— A lei já prevê que a criança não pode ficar mais de seis meses em instituição de acolhimento, e o processo de adoção não pode passar de 120 dias. Isso precisa ser implementado. A gente precisa de estrutura técnica para o curso de preparação para a adoção, o juiz precisa participar, tirar dúvidas… — afirmou.
Atualmente, há 5.256 crianças e adolescentes para adoção e 33.409 pessoas que buscam adotar, segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento, mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Desde 2019, foram adotadas 27.479 crianças no país.
Seletividade
Secretária Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do governo federal, Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva listou outras características das crianças que costumam ser rejeitadas pelos pretendentes, como a cor da pele ou problemas de saúde. Segundo ela, o órgão atualizará o Plano Nacional da Convivência Familiar e Comunitária para, entre outras ações, realizar campanhas de adoção inclusiva.
— Os dados evidenciam um padrão reiterado de rejeição a crianças e adolescentes com determinados perfis: meninos com deficiência; com problemas de saúde; ou pertencentes a grupos de irmãos. Essa seletividade por parte dos pretendentes reforça desigualdades históricas e reproduz preconceitos sociais que devem ser enfrentados pelo Estado. Acho que nós temos que fazer campanhas de sensibilização para adoção de grupo de irmãos. É muito difícil [adotar irmãos], não só pelo custo de vida, como pela dedicação afetiva — disse.
Segundo Maria do Pilar, o plano atuará, entre outros eixos, na prevenção do afastamento familiar, na qualidade de serviços de acolhimento, e na reintegração à família biológica. Segundo o CNJ, 65.663 crianças voltaram à família original desde 2020. A nova versão do plano será apresentado em outubro aos conselhos nacionais dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) e de Assistência Social, segundo a representante do governo federal.
Inclusão social
Na avaliação do deputado federal Domingos Sávio (PL-MG), a legislação atual é efetiva na adoção de recém-nascidos, o que não ocorre com a adoção tardia. Segundo ele, a prioridade deve ser buscar uma família para adolescentes, mas, na ausência da adoção, o apoio da iniciativa privada pode oferecer dignidade quando o jovem alcançar a maioridade.
— Nós não podemos ver um jovem chegar aos 18 anos, terminar o período em que ele pode continuar na instituição acolhedora e, simplesmente, ir pra rua sem uma perspectiva digna de vida. A gente começa a pensar em mecanismos de uma ‘adoção institucional’ ou de ‘empresa cidadã’. A empresa se compromete não apenas a dar uma oportunidade de trabalho, mas ter nos seus quadros alguém que cuida da área social […], que visite o abrigo, que dê suporte para esse jovem também no lado emocional. Poderia se dar com alguns incentivos que a legislação estabelecesse, tem que ter muita prudência.
Domingos defendeu o projeto de lei (PL) 3800/2024, da Câmara dos Deputados, que inclui na legislação federal o Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento do CNJ. Damares afirmou que o texto será analisado nesta semana na CDH.
Adoção internacional
A juíza Monize da Silva Freitas Marques, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), explicou que o fluxo no processo de adoção é buscar primeiro famílias no país. Se não houver compatibilidade, há mecanismos de adoção por pais estrangeiros, o que possui etapas e exigências mais rígidas que a adoção nacional.
— A gente possui como requisito a destituição integral do poder familiar por trânsito em julgado, o que não acontece nas adoções nacionais. Outra característica que não acontece nas adoções nacionais é o acompanhamento pós-adotivo, de dois anos, no mínimo. O nosso número de adoção internacional tem se mantido estável, até diminuindo um pouquinho, o que significa que a adoção nacional tem atendido às suas expectativas.
Segundo ela, caso a criança não seja adotada internacionalmente, é utilizada a medida da Busca Ativa Nacional, adotada pelo CNJ, em que famílias cadastradas para adoção acessam informações pessoais, como fotos e vídeos, dos jovens que enfrentam dificuldades para serem adotados.
Adaptação
Representante da Comissão Distrital Judiciária de Adoção do TJDFT, Marisa Maria Moraes Muniz Verri explicou que, em casos de adoção internacional, o processo leva em conta a adaptação cultural.
— A gente fica cerca de dois a três meses com essas crianças antes da chegada dos pretendentes. Aí se faz uma possibilidade de aproximação entre essas crianças e adolescentes e seus pretendentes online. Eles vão entendendo como é que são os gostos deles ,como é o clima, como é a comida… Além disso, a gente trabalha com a questão da história de vida dessas crianças, realmente a gente tem que respeitar.
Segundo Damares, atualmente a adoção internacional é mais segura do que em décadas atrás em razão do processo de acolhimento e adaptação. Ela também apresentou os choques culturais que vivenciou na adoção de sua filha indígena, que hoje tem 27 anos.
— Quando eu adotei a Lulu, eu não falava a língua dela, ela não falava a minha língua. Nós não tínhamos a mesma cultura, foram meses falando por gestos, foi desafiador. Eu nunca conseguia adotar oficialmente, porque no processo de adoção da criança indígena, a Funai tem que se manifestar, e às vezes demora cinco anos para fazer uma manifestação no processo. E sempre é ‘não tire da comunidade, vai acabar com a cultura’ — disse Damares, que sugeriu alterar a legislação para facilitar a adoção de crianças indígenas.
Abrigo
A ex-deputada federal Roseane Cavalcante de Freitas Estrela, de Alagoas, apontou os desafios no processo de adoção de seu filho Ivan. Segundo ela, a quantidade de trabalhadores no abrigo que ele estava era insuficiente para garantir o pleno desenvolvimento da criança.
— [Quando] tinha um ano e cinco meses, tinha dificuldade para deglutir, porque ele não foi estimulado no abrigo. Eram muitas crianças, dez para uma cuidadora. A gente teve essa dificuldade, chamamos nutricionistas, fisioterapeuta, e ele fez todo o acompanhamento rapidinho e mudou disso.
Apoio
A audiência contou ainda com a representante do grupo de apoio à adoção De Volta Pra Casa, Sandra Amaral, cujo grupo incentiva a adoção e orienta famílias que adotam. Também compareceu o presidente da Associação Educacional e Beneficente Vale da Bênção, Jonathan Ferreira dos Santos, que atua no acolhimento de crianças abandonadas desde a década de 1990.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado