Ferrovia Norte-Sul pode reduzir frete em 40%

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Essa é a estimativa do pesquisador Paulo Resende, da Fundação Dom Cabral, para quem o término da estrada representa um “marco histórico”

Sem alarde, o Brasil acaba de concluir um de suas maiores – e mais polêmicas – obras de logística. Depois de 36 anos, a Ferrovia Norte-Sul está pronta. No fim de maio, foi concluído o último trecho da “nova-velha” estrada de ferro, entre Palmeiras de Goiás e Goianira, no interior de Goiás.

“Pronta”, aliás, é modo de dizer. O traçado original previa 4,1 mil quilômetros de trilhos, literalmente, cortando o país. Eles iriam do porto de Itaqui, no Maranhão, até o porto de Rio Grande, no Rio Grande do Sul – daí o nome da ferrovia. Depois de erros técnicos, inúmeros escândalos e cerca de R$ 15 bilhões investidos, esse percurso encolheu. A Norte-Sul ficou com 2,2 mil quilômetros, entre Açailândia, também no Maranhão, e Estrela d’Oeste, em São Paulo. Agora, o correto seria chamá-la de Norte-Sudeste.

Embora menor, esse trajeto ainda é colossal. Ele corta quatro das cinco regiões do Brasil (Centro-Oeste, Norte, Sudeste e Nordeste). E quais vantagens trará? Para Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral, os benefícios incluem uma redução de até 40% dos custos de frete e, quem sabe, o início de uma mudança da concepção sobre logística no país. Como isso pode acontecer é o que Resende explica a seguir, em entrevista ao Metrópoles.

Depois de tantos anos do início da obra, concebida lá no governo Sarney, em 1986, qual a importância da conclusão da Norte-Sul para o Brasil?

Este é um momento histórico e pode representar o início de uma reversão da ideia que o país tem sobre logística. A Norte-Sul é a primeira ferrovia inaugurada nos últimos 15 anos no Brasil. Pior do que isso, em meados dos anos 1990, tínhamos 29,5 mil quilômetros de linhas férreas e, desde então, reduzimos a nossa malha. Hoje, temos somente 12 mil quilômetros de trilhos sobre os quais cargas são transportadas. Ou seja, a Norte-Sul muda um pouco esse cenário.

E qual a principal vantagem do transporte ferroviário para o país?

O custo do frete é uma delas. Ele varia de acordo com a distância do transporte. Em percursos acima de 800 quilômetros, o frete em uma ferrovia pode ser entre 30% a 40% do que o rodoviário. Acima de 1,5 mil quilômetros, estamos falando seguramente de valores superiores a uma economia de 40%. Esse é o caso da Norte-Sul.

São reduções expressivas.

Sim. De todo o custo logístico, que inclui itens como armazenagem, movimentação da carga em pátios, 60% tem a ver com transporte de longa distância. Agora, é possível imaginar o que teria acontecido com a competitividade do agronegócio caso a fronteira agrícola brasileira tivesse crescido com uma oferta de infraestrutura como essa. Pense na quantidade de dinheiro que perdemos ao longo dos anos, transportando um caminhão com 30 toneladas de soja por 2,5 mil quilômetros. Isso não faz o menor sentido.

É possível ter uma ideia de quanto o lucro dos produtores pode aumentar com esse tipo de mudança no transporte da carga?

É possível dizer que o preço das commodities agrícolas é definido na Bolsa de Chicago. O produtor não tem com alterar isso. Para aumentar a lucratividade, ele tem de reduzir os custos logísticos e da operação. É isso o que acontece com a redução do preço do frete.

Qual o impacto da Norte-Sul na matriz de transporte brasileira?

Hoje, o transporte ferroviário representa 20% da matriz nacional. Com a Norte-Sul, passa para 23%, mas, mesmo sem novas ampliações, esse percentual pode chegar a 26%, à medida que a linha seja mais utilizada. Mas estão ocorrendo ampliações, tocadas pela iniciativa privada. Nossa projeção é que o granel agrícola pode ter 35% de participação nas ferrovias até 2035.

Nos Estados Unidos, representam 43% e na Rússia, 81% da matriz de transportes. Aqui, se desconsiderarmos o minério de ferro, 82% de tudo que transportado viaja em rodovias. Não há país no mundo de dimensões continentais tão desequilibrado para o lado rodoviário como o Brasil. E para as commodities, em longa distância, esse é o sistema menos viável. É para começar a alterar esse quadro que a Norte-Sul também pode ser importante.

 

Por Carlos Rydlewski / Metrópoles