O Senado aprovou nesta quarta-feira (27) o projeto de lei que cria regras para a proteção de crianças e adolescentes em ambientes digitais. A proposta prevê obrigações para os fornecedores e controle de acesso por parte de pais e responsáveis e promete também combater a chamada adultização de crianças nas redes sociais. O PL 2.628/2022 segue agora para sanção presidencial.
O projeto prevê, entre outros pontos, a remoção imediata de conteúdos relacionados a abuso ou exploração infantil com notificação às autoridades, além da adoção de ferramentas de controle parental e verificação de idade dos usuários.
Apresentada pelo senador Alessandro Vieira (MDB-SE) em 2022, a proposta sofreu modificações durante votação na Câmara na quarta-feira (20). O tema ganhou destaque nacional após o influenciador Felipe Bressanim, conhecido como Felca, publicar, no início do mês, um vídeo que denuncia a adultização e a exploração sexual de crianças e adolescentes para criação de conteúdo na internet.
O projeto cria um Estatuto Digital da Criança e do Adolescente. A intenção é proteger esse público no uso de aplicativos, jogos eletrônicos, redes sociais e programas de computador. A votação foi comandada por Alessandro Vieira. Ele assumiu a cadeira da Presidência em um gesto simbólico feito pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre.
— É um gesto da Presidência em reconhecer a atuação do senador Alessandro Vieira, que construiu essa agenda nos últimos três anos, liderando esse processo e enfrentando um debate extremamente difícil. Quero fazer esse gesto simbólico com a certeza de que estamos cumprindo um dever histórico — disse Davi.
Alessandro Vieira destacou a urgência da proposta no cenário atual e o envolvimento da sociedade em sua construção. Segundo ele, o problema do ambiente digital é global, especialmente para os públicos mais vulneráveis.
— O que estamos fazendo aqui é ouvir a sociedade. Hoje, no mundo inteiro, o ambiente digital é um problema, sobretudo para o público mais vulnerável. A sociedade civil se mobilizou, as equipes técnicas se envolveram. Estamos igualando parcialmente a atividade de algumas das empresas mais poderosas do capitalismo. Esta é a primeira lei das Américas sobre o tema. É fruto de um trabalho coletivo — afirmou.
Relator da proposta no Senado, Flávio Arns (PSB-PR) reconheceu os avanços promovidos pelos deputados no projeto, mas decidiu reincluir pontos do texto original aprovado anteriormente pelos senadores, como a proibição das caixas de recompensa para crianças nos jogos eletrônicos. Também fez ajustes de redação para aprimorar a proposta.
— A importância de aprovarmos esta proposição se reflete no amplo consenso alcançado nas duas Casas do Congresso Nacional. Estamos diante de um conjunto de regras robusto, capaz de assegurar às crianças e aos adolescentes que acessam ambientes virtuais os mesmos direitos e proteções que já existem no mundo real. Vivemos uma realidade insustentável, com denúncias diárias de abusos e violências, enquanto enfrentamos inúmeros desafios para proteger esse público. A aprovação desta lei é uma questão de máxima urgência — afirmou o senador.
Durante a votação, a maioria dos senadores manifestou apoio à proposta afirmando que o texto representa um avanço na proteção das crianças, mas outros apontaram preocupação com essa regulação das redes sociais.
Contrário ao projeto, o senador Carlos Portinho (PL-RJ) afirmou que a causa é nobre, mas alertou que esse pode ser o começo de uma regulação mais dura das plataformas.
— Depois que abrir essa porteira, o controle das redes sociais não se fecha mais. O maior controle, na minha opinião, é dos pais. Isso o Estado nunca vai suplantar. Eu não acredito que o Estado deva substituir o controle parental. O melhor seria que isso fosse autorregulado — criticou.
Na mesma linha, o senador Eduardo Girão (Novo-CE) demonstrou preocupação com o projeto. Segundo ele, apesar das boas intenções dos deputados e senadores, a proposta pode abrir uma “janela perigosa” para o controle das redes sociais.
— É a porteira que o STF está esperando para regulamentar rede social — alertou.
Alessandro Vieira afirmou que a proposta busca, na verdade, resgatar o poder de pais e mães de acompanhar e controlar a vida digital dos filhos.
— A partir da sanção da lei, as empresas serão obrigadas a organizar seus produtos e serviços de forma mais segura e adequada ao público infantil e adolescente — disse.
Remoção de conteúdo
O texto obriga que fornecedores de produtos e serviços de tecnologia da informação adotem uma série de medidas para prevenir o acesso de crianças e adolescentes a conteúdos prejudiciais, como pornografia, bullying, incentivo ao suicídio e jogos de azar. Entre elas está a remoção de conteúdo.
Caso sejam identificados conteúdos relacionados a abuso sexual, sequestro, aliciamento ou exploração, as empresas devem remover e notificar imediatamente as autoridades competentes, tanto nacionais quanto internacionais. A exigência de remoção nesses casos não estava no texto aprovado pela Câmara e foi incluída pelo relator no Senado, Flávio Arns:
— Não se pode admitir que conteúdos de tamanha gravidade possam permanecer disponíveis publicamente mesmo após sua identificação e notificação às autoridades competentes. O dever de remoção deve ser entendido como implícito nesses caso — afirmou.
As empresas também deverão retirar o conteúdo que viola direitos de crianças e de adolescentes assim que forem comunicados do caráter ofensivo da publicação pela vítima, por seus representantes, pelo Ministério Público ou por entidades representativas de defesa dos direitos de crianças e de adolescentes, independentemente de ordem judicial.
Denúncia abusiva
O usuário que publicou conteúdo considerado abusivo deve ser notificado com antecedência, recebendo a justificativa da decisão de retirada da postagem e a informação sobre se a análise foi feita por um sistema automatizado ou por uma pessoa. A plataforma também deve oferecer um mecanismo de recurso acessível e claro, permitindo que o usuário conteste a remoção.
Se uma denúncia for feita de forma abusiva, o autor poderá sofrer sanções, incluindo a suspensão temporária ou até a perda da conta em casos de denúncias falsas recorrentes.
Redes com mais de 1 milhão de crianças ou adolescentes devem publicar, a cada seis meses, um relatório com dados sobre denúncias de abuso, conteúdos moderados e ações de gestão de riscos à segurança e saúde das crianças e adolescentes.
Supervisão dos pais e verificação de idade
Entre as obrigações dos provedores de redes sociais, está a de garantir que haja vinculação das redes sociais de crianças e adolescentes de até 16 anos a um responsável e a remoção de conteúdo considerado abusivo para este público.
O projeto proíbe que a verificação de idade seja feita por autodeclaração do usuário. Também exige que as empresas disponibilizem configurações e ferramentas acessíveis e fáceis de usar que apoiem a supervisão parental. A ideia é que os responsáveis tenham mais facilidade para acompanhar o conteúdo acessado pelas crianças e adolescentes, bem como limitar o tempo de uso.
Nível máximo de proteção
As ferramentas de supervisão parental deverão, por padrão, oferecer o nível máximo de proteção disponível. Isso inclui bloquear a comunicação entre crianças e adultos não autorizados, limitar recursos que incentivem o uso excessivo — como reprodução automática, notificações e recompensas —, controlar sistemas de recomendação e restringir o compartilhamento da geolocalização.
Pais e responsáveis também devem ter acesso a controles que permitam configurar e gerenciar a conta da criança, definir regras de privacidade, restringir compras e transações financeiras, além de identificar os perfis de adultos com quem seus filhos interagem.
Na ausência de conta vinculada aos responsáveis legais, os provedores deverão impedir qualquer alteração que reduza o nível das configurações de supervisão parental.
Penalidades
Quem descumprir a lei poderá ser penalizado com advertência, multa, suspensão ou até proibição de exercer atividades, sem prejuízo de outras sanções civis, criminais ou administrativas.
A advertência dará um prazo de até 30 dias para que o infrator adote medidas corretivas. Já a multa poderá chegar a até 10% do faturamento do grupo econômico no Brasil no último exercício.
Caso essa informação não esteja disponível, a penalidade será calculada entre R$ 10 e R$ 1 mil por usuário cadastrado no provedor, limitada a R$ 50 milhões por infração. Todos os valores serão atualizados anualmente com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
A aplicação das penalidades levará em conta fatores como a gravidade da infração, reincidência, capacidade econômica do infrator, finalidade social do provedor de internet e o impacto causado à coletividade.
Empresas estrangeiras serão solidariamente responsáveis pelo pagamento das multas aplicadas às suas filiais, sucursais, escritórios ou estabelecimentos no Brasil.
As penalidades mais severas — suspensão ou proibição de atividades — só poderão ser impostas pelo Poder Judiciário.
Caixas de recompensas
O relator retomou o texto do Senado sobre as chamadas caixas de recompensas (ou loot boxes) em jogos eletrônicos. O projeto original previa a proibição desse recurso, que oferece ao jogador itens virtuais relacionados ao enredo do jogo sem que ele saiba previamente o que irá receber — ou seja, vantagens aleatórias. No entanto, a Câmara flexibilizou a regra e permitiu o uso da funcionalidade, desde que sejam seguidas determinadas condições.
Ao retomar a proibição total das loot boxes para crianças e adolescentes, Arns apontou que especialistas alertam que esse tipo de mecânica pode incentivar comportamentos compulsivos e manter o jogador engajado por longos períodos, mesmo quando não há envolvimento de dinheiro, mas sim de pontuações acumuladas dentro do próprio jogo.
— Não existem limites seguros para que crianças e adolescentes utilizem este tipo de ferramenta. Há evidências científicas que sugerem que o uso de caixas de recompensa pode resultar em comportamentos problemáticos em relação a jogos de azar entre adolescentes e jovens — apontou o senador.
Fiscalização
O texto prevê que caberá à autoridade administrativa autônoma de proteção dos direitos de crianças e de adolescentes no ambiente digital fiscalizar o cumprimento da lei e editar normas complementares. Essa autoridade seguirá as regras da Lei das Agências Reguladoras, o que implica, por exemplo, a realização de consultas públicas antes da edição ou alteração de normas.
Uma lei própria regulamentará a criação dessa autoridade, que segundo o senador Alessandro Vieira poderá até mesmo ser incorporada pela Anatel, por exemplo. Ele fez a observação diante da preocupação da senadora Professora Dorinha Seabra (União-TO) de que isso poderia resultar em mais burocracia e na criação de cargos desnecessários.
Dados de crianças
Os fornecedores deverão “se abster” de realizar o tratamento dos dados pessoais de crianças e adolescentes de maneira que possa causar ou contribuir para violações à privacidade e a outros direitos protegidos desse público.
Conteúdo impróprio
De acordo com o texto, os fornecedores de produtos com conteúdo impróprio para menores de 18 anos deverão impedir o acesso por crianças e adolescentes.
Os provedores de aplicações de internet que disponibilizam conteúdo pornográfico deverão impedir a criação de contas ou de perfis por crianças e adolescentes.
Publicidade
Outra medida de proteção de crianças e adolescentes prevista no projeto de lei é a proibição de traçar perfis para direcionar publicidade a essa faixa etária. Será vedado ainda o uso de análise emocional, realidade aumentada, realidade estendida e realidade virtual para esse fim.
Liberdade de expressão
A regulamentação não poderá impor mecanismos de vigilância massiva, genérica ou indiscriminada; e serão vedadas práticas que comprometam os direitos fundamentais à liberdade de expressão, à privacidade, à proteção integral e ao tratamento diferenciado dos dados pessoais de crianças e adolescentes.
Agência Senado (Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
Fonte: Agência Senado